convidados

Refletir no espelho
por Evas Carretero e Erike Busoni

Voz – Vai começar! Vai começar o espetáculo!
Eu – Estão todos prontos?
(Primeiro sinal)
Eu – Estou suando, ta saindo a maquiagem?
(Segundo sinal)
Eu - Chama todo mundo, vai começar. Que frio na barriga! Estão todos ai? Falta alguém? Vai! Vai!
Todos - Merda!  (Terceiro sinal)

(Entram)
O palco é um lugarzinho isolado do mundo onde o ator tem a habilidade de se transmutar, de revelar as facetas escondidas dentro da alma, e com calma, externar palavras de reflexão imediata, viva, artesanal rompendo a barreira material de seu corpo invadindo outros recipientes compostos pela mesma matéria, tantas vezes cuidada, tratada, operada para um melhor visual tornando-se assim mais aceitável pela ditadura da estética imposta e aceita por esta alma a ser indagada.
O artista cumpre seu dever insistindo em instigar, questionar, e lapidar o ego do ser humano, competindo com a alienação da programação, resistindo com as raízes fincadas no chão.
Desde que Tespes interpretou Dionísio um grande espelho começou a refletir a imagem mais sincera do ser humano. Cheio de sentimentos, composto por materialismo, duvida  e responsabilidade. Tão cheio que transborda em si.
Como seria passar anos sem olhar-se no espelho?
Sem ter noção dos traços exatos do tempo, sem distinguir uma espinha de um furúnculo, sem a certeza de que… sem certeza.   
Olhar pra si é reciclar o repertório, reconsiderar as coisas. É o trabalho do ator. Lutar contra a angústia de não saber o que fazer do trabalho operário, que durante 20 anos foi fundamental para o retorno da democracia neste país.
Lutar a favor deste oficio, que mesmo vencendo 10 mil anos formando opiniões, que tendo o ator considerado por Jung uma ferramenta que vive a margem da sociedade para diagnosticar e “trazer” o remédio necessário à ela voltando à margem, mesmo com a certeza de trabalhar a favor do fundamento da identidade, da energia e das idéias criativas  dos povos , a cultura, em toda sua diversidade, é fator de desenvolvimento e coexistência em todo o mundo, mesmo assim transforma-se em profissão e nos dias de hoje, na maioria das vezes, só entretêm.  
O que fazer então desta entrega coletiva sem limites?
Um homem sozinho esbanja egoísmo e ganância refletidos em pequenos atos, desde comer o ultimo pedaço de bolo até matar por dinheiro. 
O Homem Coletivo se contesta e demora a entrar num acordo, trava uma batalha de egos que finda numa força maior, capaz de construir pirâmides, de resgatar 33 mineiros presos embaixo da terra, de reconstruir cidades, de montar um grande espetáculo da vida numa tentativa talvez utópica de mostrar ao SER HUMANO que ele pode SER humano.
E este humano artista, vivendo a margem, contaminado por pseudo intelectuais, por incentivos, editais, verbas, campanhas, teatro empresa, mercado, publicidade, testes, status, empreguinho, teatro escola, oficinas, fama e o implantado sonho de pertencer a grande rede, esquece… se desespera… perde. Cidadania, memória, ofício, generosidade e coletivo.
Transformando o teatro em um simples emprego, com horário determinado, cartão de ponto, horário de almoço, sem responsabilidade em função de um mercado inexistente.
Quem sabe num futuro breve teremos sete frentes representativas da cultura dessa região do ABCDMRR.
Quem sabe a essência do teatro que corre nessas sete veias faça emergir o valor verdadeiramente democrático...  
Quem sabe a utopia do artista seja a ferramenta necessária para a reconstrução depois do terremoto...
Quem sabe tenhamos um pouco da garra e da esperança pra vencermos nossa sede de arte e criarmos condições para um grande espetáculo...
Quem sabe?
Como diria Shakespeare: - “Somos feitos do estofo de que se fazem sonhos”.
E quando esse espetáculo acabar para iniciarmos os ensaios de vários outros, quando conseguirmos a mudança de pensamento e ação necessária dos colegas de oficio, não precisaremos de agradecimento, mas sim de congratulações pelo reconhecimento por apenas cumprir a nossa obrigação.
Sigamos em frente, a mudança depende de nossa reflexão. Pois como dizia Drummond:

“Como vencer o Oceano
Se é livre a navegação
Mas proibido fazer barcos”

Evas Carretero
Ator de teatro e escritor por necessidade. Integrante da Cia da M.A.T.I.L.D.E. desde a fundação. Artista com idéias utópicas e sede de transformação. "Eu não entrei na ilha dos saltimbancos por acaso, nem pra ser um reles fazedor de graça. Eu queria consagrar a minha vida através do oficio que escolhi obedeceno a um imperioso apelo vocacional." (Bobo Plin, Plinio Marcos)


Erike Busoni
Ator, iluminador e diretor de teatro desde 1991. Iniciou seu aprendizado na Fundação das Artes de São Caetano do Sul. Passou pelo Teatro Escola Célia Helena onde também trabalhou sendo responsável pela parte técnica dos cursos técnicos e superiores durante 12 anos. Fez parte dos grupos M.C.T.A. de SCS e Folias D`Arte, tendo depois fundado a Cia da M.A.T.I.L.D.E.. Realizou diversos trabalhos com: Cia Estavel, Cia Elevador de Teatro Panorâmico, Marco Antonio Braz, Marcelo Lazzaratto, Roberto Lage, Marco Antonio Rodrigues, Ariela Goldman entre outros.


2 comentários:

  1. Parabéns mais uma vez, Paula! Pela belíssima iniciativa do blog.

    Parabéns também a meus queridos parceiros da Cia da Matilde, realizadores e pensadores da melhor qualidade.

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  2. Parabéns M.A.T.I.L.D.E.!!!

    Filosofia sobre artista perfeita...

    Muito complicado competir com a alienação em massa necessitando de recursos de quem a fomenta...

    Realmente a burocracia é tanta, que muitos desistem com medo de perder a essência da arte...

    Conhecendo um pouco da história da Cia. admiro-a pela resistência e foco.

    Parabéns e obrigado Evas e Erike por compartilhar tal reflexão!!!

    RESISTÊNCIA e COLETIVIDADE!!!

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