Falar sobre as cidades do ABC Paulista utilizando termos como subúrbio, região ou local, para muitos, pode indicar um sentido pejorativo de espaço limitado e de reprodução, aquele triste quintal de uma tal capital. De fato, ao longo do tempo, tais palavras transformaram-se em fala comum ao se fazer referência às cidades que estavam geograficamente localizadas à margem da capital do Estado. Também é possível dizer que, ao se pensar na história dessas cidades, torna-se recorrente a ênfase às questões relativas ao movimento operário e às lutas sindicais. No entanto, para compreender a história dessas cidades deve-se considerar o uso de tais palavras de forma mais ampla, pensar o subúrbio como espaço de trabalho e desenvolvimento industrial, mas também como espaço de criação de identidades e de comunicação de culturas e, dessa forma, permitir que o teatro do ABC, assim como as demais manifestações artístico-culturais, não fique relegado ao plano do esquecimento, uma vez que por meio dele os moradores da região teceram laços sociais, expressaram seus imaginários, criaram identidades locais, comunicaram suas culturas e se reconheceram como comunidade.
Discussões atuais sobre o movimento teatral do ABC perpassam as questões de formação de público e implantação de projetos de políticas públicas de fomento à cultura, mas pouco se fala, ou melhor, pouco se faz para garantir o registro da memória do teatro regional. Enquanto a discussão caminha no plano da contemporaneidade do movimento artístico, narrativas, imagens e textos encenados se perdem. A história se esvai.
Ao longo da segunda metade do século XX, as cidades que compõem a região do ABC firmaram-se como símbolo de pujança econômica, espaço de moradia e trabalho para migrantes e imigrantes. Nesse novo local juntaram-se pessoas com diferentes culturas e identidades, unidas pela possibilidade do trabalho, que buscaram identificações muito antes de se reconhecer como classe e discutir questões de diretos trabalhistas. E foram em praças, clubes, igrejas e associações que tais pessoas em seus momentos de lazer, como vazão para a sensibilidade e forma de interação social, começaram a constituir uma identidade regional por meio das manifestações artístico-culturais. Assim, para pensar sobre o movimento teatral dessa região é certo que não se pode conceber o local como uma unidade cultural, homogênea e específica, é preciso valorizar os sujeitos da ação, a história dos indivíduos que modificaram a paisagem do subúrbio, lhe conferiram representações e símbolos em um processo de construção e desconstrução das identidades locais, que fizeram dos salões de igrejas, clubes, palcos e mesmo das ruas espaço de criação e reflexão.
Para se pensar na história do teatro regional é preciso tornar o protagonista dessa história o homem e a mulher comum do ABC que, tantas vezes, assumiram o papel de artistas nos palcos, mas interpretavam cotidianamente o papel de operários e operárias, professoras, secretárias, funcionários e funcionárias públicas, líderes sindicais ou filiados, donas de casa, desempregados etc. A rememoração da trajetória do movimento do teatro regional, pode se constituir em ferramenta importante para os artistas locais e corroborar a intensa e crescente produção de grupos teatrais ao longo dos anos. E, mais do que propor que as pessoas falem sobre sua história dentro do movimento, é preciso que tais narrativas sejam registradas, tornando-se mais um documento, que não substitui o documento impresso, seja ele textual ou iconográfico, mas revela novas perspectivas, uma vez que trabalhar com histórias de vida pressupõe o encontro com uma narrativa seletiva daquilo que o entrevistado guarda em sua memória e constitui-se de elementos fundamentais para a formação da identidade individual e coletiva, ou seja, ao narrar suas lembranças os artistas-cidadãos abrirão espaço para um processo reflexivo. Se por um lado faltará a precisão com datas e pormenores, haverá uma riqueza de narrativas, já que a seleção imposta pela memória de cada artista trará múltiplas visões de mundo. Existirão silêncios, existirão estereótipos. Mas haverá a riqueza de uma história ressignificada já que o narrador falará do passado, mas com a avaliação de sua identidade constituída no presente.
É preciso que exista espaço para se pensar e discutir o movimento do teatro regional em todos os tempos (passado-presente-futuro) para que se possa compreender essa história e o processo de construção dessas identidades e identificações e, com isso, escolher novos rumos para a produção local que contemple essa realidade e as necessidades regionais.
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