NÓ DIÁRIO | Santo André, 16 de Fevereiro de 2024
Sonhos do Subúrbio – Uma Viagem Desafiadora Diante do Espelho
Da Redação
Em 2024, os artistas do ABC organizaram a 12ª Mostra de Teatro “Do ABC para o Mundo”, dessa vez homenageando o recente vencedor do Prêmio Nobel de Literatura Luis Alberto de Abreu. Como é de costume, durante três meses, representantes de diversos coletivos teatrais da região se reúnem no Universo Cultural da Matilde, no Espaço Cultural Casimiro de Abreu e na Escola Livre de Teatro para o intenso planejamento das atividades que têm o patrocínio do Pólo Comercial do ABC.
Quem teve a felicidade de se sentar em uma das platéias foi agraciado com um teatro vivo, generoso e de extrema qualidade estética. Não é a primeira vez que o ABC recebe um público tão grandioso. Na edição passada da Mostra, que teve 13 espetáculos em temporada pelas sete cidades, mais de oitenta mil pessoas foram alojadas nos hotéis da região para prestigiar esta ação que já faz parte do calendário cultural nacional, junto a ações como o Festival de Jazz do Ceará e a Exposição de Esculturas do Vale do Jequitinhonha. Na platéia, nomes consagrados do teatro brasileiro, Marcos Lemes, Carlos Lotto e Celso Frateschi, misturavam-se aos moradores e visitantes.
O GRITE de São Caetano do Sul, sob a direção de Kléber di Lázzare, trouxe ao palco do Teatro Chiquinho Medeiros (Sala 1, do ex Cine Teatro Carlos Gomes) o espetáculo “Nelson”, que teve a sua estréia em 2023 na Inglaterra. Com delicada orquestração de corpos e vozes extremamente afinados, o grupo narrou a vida de Nelson Rodrigues a partir de seus personagens mais vigorosos. Elevadores panorâmicos transportavam as vidas criadas pelo dramaturgo e apropriadas pelo GRITE, que é aclamado como um profundo conhecedor desse mestre de teatro brasileiro.
O Teatro da Conspiração, inflados pela Transpiração, agitou as ruas do ABC, por onde os moradores se enfileiraram para ver a história de “O homem que ganhou o mundo”. Essa poderia ser a história do próprio grupo que já teve seus espetáculos apresentados numa dezena de países. A diretora Solange Dias, que é também uma legítima representante da dramaturgia brasileira, lembrou da importância que teve a ocupação do Parque Escola na trajetória do grupo.
Também foi à rua o palco da Cia. do Nó. Dessa vez, o diretor Esdras Domingos, em liberdade há sete meses, após ser preso num protesto violento contra o Teatro Holográfico, mostrou para o ABC seus próprios sonhos. Coletados pelos atores, em pesquisa de campo realizada na região, os sonhos foram o suporte para a criação da bela dramaturgia de Renata Moré “Sonhos do Subúrbio – Uma Viagem Desafiadora Diante do Espelho”. Os passantes acompanhavam os quadros medievais com entusiasmo de criança, sonhando o futuro de suas próprias vidas.
O Grupo Garagem de Ribeirão Pires ofereceu residência ao longo de 2023 ao Grupo Polonês Lublin. Em conjunto, os dois grupos realizaram o elegante “Laura”. Este é também o nome da primeira filha do casal de dramaturga e diretor, Vivian e João Paulo, que esperam sua terceira filha. O espetáculo foi preparado especialmente para a ocupação da nova sede do grupo, “Teatro Garagem”, antigo estacionamento Glória no centro de Ribeirão Pires.
Com a mesma importância e tão agradável ao espírito foi o espetáculo do Teatro Singular que neste ano também realizou a 9ª Mostra de Teatro Estudantil. A Cia. Lona de Retalhos encantou a platéia com o infantil “Prometeu”. O Curupira de São Bernardo arrastou mais de mil pessoas para ver o sedutor PPC50, no novíssimo teatro “Alumínio”. O Teatro de Asfalto que se reencontrou em 2021 para a preparação de “Raspado nas Nuvens”, falou sobre a trajetória dos integrantes no espaço de tempo em que alçaram outros vôos. Tantos espetáculos, tantas cores, tantos momentos inesquecíveis, clicados pela lente inconfundível de Omar Matsumoto, fotos que ilustrarão o livro “A Vida no Teatro do ABC” da incansável e brilhante escritora Paula Venâncio.
Sentimos a falta da Cia. Komos, dos Jovens Atores de Diadema e de Eduardo Ulian, representantes enviados para a China, Espanha e Índia, respectivamente, para coordenar as atividades da Mostra, que acontecem simultaneamente nesses países. Joca, Mauro, Ana Paula, Euzébio, Ademir, Faustino, Eduardo, esperamos vocês em 2025.
Essa Mostra foi possível graças ao empenho de todos os artistas, do representante dos mesmos na co-administração dos 36 teatros da Região do ABC, James Silva, do Grupo Quartum Crescente, da Cia. Rocokóz que, em conjunto com Kléber Brianez, também coordenaram as atividades de circo-nano-tecnologia, de Rosana Ribeiro, curadora oficial da Mostra Internacional e de Thiago Freire que, mesmo com residência fixa em Mato Grosso do Sul, onde desenvolve sua pesquisa de etnomusicologia, desde 2010, é um perseverante e eficaz incentivador da Mostra. Mas o que pude perceber, da minha cadeira cativa, foi que essa ação só tem sido contínua pela amizade e verdadeira troca profissional que esses artistas e grupos desenvolveram ao longo de todos esses anos, lembrando que as conquistas mais preciosas e, portanto, humanas, depois do nascimento tem uma longa, às vezes árdua trajetória a percorrer.
Mais uma vez, ao final do último espetáculo, todos os artistas subiram ao palco para lembrar o Mestre Milton Andrade, indispensável figura na história do Teatro no ABC. Juntos, afirmaram que o teatro não mais apenas pergunta, além disso, oferece possibilidades de uma nova vida e que, sim, é verdade, é da poesia e do sonho que vive o homem.
Renata Moré
Tem formação em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo. Sua trajetória artística se deve à formação em dança clássica e ao teatro de grupo, onde atua desde 1992. Foi coordenadora geral do Centro de Dança de Santo André, de 2005 a 2008. É atriz, oficineira e dramaturga da Cia. do Nó, desde 1999.
Esdras Domingos
Tem formação em teatro, nas áreas de interpretação e direção, com ampla experiência na coordenação de núcleos de pesquisa teatral. Atualmente, é diretor teatral e coordenador artístico e pedagógico da Cia. do Nó.
Este artigo-sonho parece evocar as reflexões surgidas no encontro ocorrido em 19 de fevereiro de 2011 no Espaço Cultural Casimiro de Abreu entre artistas das 7 cidades do Grande ABC. 2024 não está tão distante e se sonhar participa da ação, neste momento sonhamos juntos para que uma realidade semelhante dos sonhos narrados se concretize muito em breve, afinal, como foi dito na reunião pelo Cássio da Conspiração...não precisamos esperar 10 anos. Obrigada Renata, Obrigada Esdras! Evoé!
ResponderExcluirCamila Shunyata e Roberta Marcolin